segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

157 - SUBIDA A ORDINO-ARCALÍS E PAS DE LA CASA.










A ideia era simples: o puto ia fazer snow-board, a mãe ia às compras, e eu ia subir as montanhas de Andorra, aproveitando uns dias de recuperação de folgas trabalhadas.
Correu mal, muito mal mesmo a viagem, que fizémos durante toda a noite, para aproveitar o tempo ao máximo. Coincidimos com uma nevada monumental e as temperaturas mais baixas dos últimos anos, sobretudo em Castilla-La Mancha e Aragão.
No hotel em Andorra tive a desagradável surpresa de que me havia esquecido das coberturas para os sapatos, que para o percurso que queria fazer seriam fundamentais. É uma coisa que muito raramente uso no meu Algarve,mesmo nos dias mais frios, mas que aqui eram imprescindíveis, como aliás se veio a revelar. è claro que poderia comprar outras, mas o seu elevado preço, e o pouco uso que faço delas em Portugal, fizeram-me decidir por evitar essa despesa. Paguei por isso depois. Um preço elevado...
Lembrei-me que antigamente os profissionais portugueses usavam meias grossas a tapar os sapatos quando fazia frio. E foi a solução que encontrei, só que evidentemente com um resultado sofrível.
Subi no primeiro dia a Ordino-Arcalís, lugar de chegada de uma etapa da última Volta a França. Parti de Andorra la Vella e a primeira sensação foi o facto de ter que circular em túneis. Para mim era uma coisa nova, desagradável, pelo sentimento de vulnerabilidade, por causa dos automóveis, mas também devido aos gases emanados por aqueles, e que com o frio não subiam.
O frio era cada vez mais agudo. Levava um passa-montanhas a cobrir a cabeça e a boca e sentia que não respirava bem com a boca tapada. O desnível médio era de 7%, mas em alguns lugares chegava aos 12 por cento. Tinha que manter a boca aberta pra auxiliar na respiração, mas o frio era tanto que tinha a tendência de voltar a tapá-la com o passa-montanhas.
Surpreendentemente senti o cheiro a dejectos de cavalos. Pensei se haveria ciganos como no Algarve. Às vezes temos essas prendas nas nossas estradas algarvias. Mas não, o que me apareceu à frente foram cavalos selvagens, garranos que se passeiam livremente pelas montanhas andorranas, como já havia visto no Gerês e em Rila, na Bulgária.
Foi com grande sacrifício e sofrimento que cheguei à estação de ski de Arcalís. Não pelas duras rampas, mas pelo frio imenso, que me fazia sentir que ia ficar como o João García, o alpinista português que subiu o Evereste, e a quem tiveram que amputar o nariz e os dedos dos pés...Ainda mais este sentimento me assaltou quando passei por um restaurante chamado Anapurna...
Parei para perguntar a uma patrulha da polícia num carro quanto faltava para o cimo. Disse-me um que eu era valente, também faziam ciclismo, mas que no Inverno as bicicletas eram para estar a dscansar em casa.
Descer foi muito pior que subir. Para cima cheguei a suar, debaixo do passa-montanhas. Também uso uma gola-alta de feltro, própria para ciclismo, tapa os ombros e o pescoço. Mas nada disso ajudou na descida. Tinha que parar sempre que encontrava algum recanto com Sol, para me aquecer. O dia estava solarengo, pelo menos a partir duma certa altura, já que em Arcalís nevava nos últimos quilómetros da subida.
Tirei a mão da luva grossa, que havia comprado na Alemanha, para tirar umas fotografias. Nunca mais a consegui aquecer...
Na descida fui obrigado a fezer uma pausa num restaurante, para me aquecer. Julgava que ia ter uma síncope com o frio. Não era possível continuar...De qualquer modo eram horas de almoço, e comer ali ou noutro lugar tanto me dava.
Ao fim de uma hora dentro do restaurante, já com sobremesa comida e café tomado, ainda não tinha conseguido aquecer o pé direito. Não encontrava motivação para voltar a montar a bicicleta e regressar ao hotel em Andorra la Vella.
Encontrei uma loja de bicicletas e fiz de conta que estava interessado em ver qualquer coisa. Por ali me demorei mais uma hora, até voltar a sentir os dedos dos pés, e me animar a voltar à estrada. O dono da loja não me poupou elogios, e muito se admirou por a minha bicicleta estar suja do sal usado para derreter a neve, coisa que era comum nos automóveis, mas não em bicicletas...

No dia seguinte repeti a dose: foi por isso que fiz tantos quilómetros, atravessando toda a Espanha. Parti outra vez de Andorra La Vella, desta vez em direcção a Pas de la Casa e à fronteira francesa. Com um percurso algo mais fácil que na véspera, mas o mesmo sofrimento por causa do frio.
Não há muito para dizer sobre este segundo dia. Foi um repetir de sensações.
No regresso atravessei todo o território andorrano, passei por Andorra La Vella, e segui até Sant Julià de Lora e à fronteira espanhola, e regresso ao hotel, ou seja fiz todo o caminho entre fronteiras nos dois sentidos nesse dia. Mas um cozido catalão e um rabo de boi acompanhado de duas bejecas aqueceram-me a alma...

No regresso a Portugal o azar voltou a bater-me à porta: logo a seguir a Lleida, no início da auto-estrada tive um furo. Troquei de pneu e logo a seguir a válvula do pneu suplente rebentou. Fiquei desesperado: ali estava eu a mais de mil quilómetros de casa, no meio do nada, e sem saber comoresolver a minha vida. Telefonei para a Allianz, onde tinha um seguro de viagem, e pedi ajuda. Eu nem estava interessado em reclamar que me pagassem qualquer coisa, só esperava que alguém me ajudasse. Mas do outro lado a resposta foi igual ao que é costume: a Allianz não tem nada a ver com isso, não pagamos reboque em caso de furo de pneu. Desenrasque-se!!!... Fiquei com raiva da Allianz, então servimos para pagar todos os anos o seguro de viagem, e quando nos acontece um azar, eles não têm nada a ver conosco...
Lá consegui chegar a umas bombas de gasolina, rodando muito devagar para não danificar a jante. Ali me ajudaram telefonando para um reboque, que me levou para Bujaraloz, onde passei o dia à espera que me resolvessem o problema.
Cheguei a Albufeira ao nascer do dia. Ia trabalhar umas horas depois...

Sem comentários:

Enviar um comentário