Dizia-me uma vez o meu amigo Paulo Espada, de Vila Real de Santo António: "tu sabes qual é a grande diferença entre os passeios de Portugal e Espanha. Competição! É isso é que marca a diferença, é por isso que gostamos de ir lá, é por isso que aqui em Portugal não é interessante".
As coisas estão a mudar em Portugal. Nota-se, pouco a pouco, que quem organiza os passeios de cicloturismo já entendeu que a malta gostaria de um pouco de competição. A diferença entre cicloturismo e ciclismo. Gostamos dos passeios de cicloturismo, mas o que nos move é o ciclismo. Para passeios de cicloturismo não precisamos de uma bicicleta de corrida, nem roupa aerodinâmica de licra.
É claro que a haver competição nos nossos eventos isso só se pode resumir a qualquer coisa como 10 ou 20 por cento do total de um passeio, ou algo muito específico como o Portimão - Fóia. A competição não tem necessariamente de ser com atribuição de troféus ou diplomas, a maior parte das vezes competimos contra nós próprios, para testarmos até quanto somos capazes. É a emoção de ultrapassar outro, é o constatar que seguindo na roda de alguém podemos aguentar mais e ir mais longe, é o verificar que somos bons a rolar e péssimos a subir, é o compreender que não treinámos o suficiente, temos cãibras e não aguentamos o ritmo dos outros, é o sentir que deixámos criar um espaço em relação ao pelotão e que isso é fatal, começamos a perder terreno e o espaço torna-se cada vez maior, esforçamo-nos desumanamente para fechar esse espaço e acabamos rebentados. Aprender com os erros e tentar fazer melhor da próxima vez. Isso é ciclismo, é disso que gostamos, e só a competição (naturalmente que em doses comedidas, já não somos novos, e não somos profissionais) nos pode fazer sentir ciclistas. Imitar os nossos ídolos (porque não? Afinal de contas nós podemos correr nos mesmos cenários dos nossos heróis, eu já corri com Marco Chagas, Joaquim Gomes, Filipe Cardoso, Samuel Caldeira, André Cardoso, Paco Mancebo, Óscar Sevilla, Joaquim Andrade, Pablo Lastras, Abraham Olano, etc. Poucos dos amantes do futebol terão tido oportunidade de jogar com o Cristiano Ronaldo), viver as mesmas experiências daqueles que admiramos, quando na televisão sobem a Serra da Estrela ou disputam um sprint. Também queremos subir serras e disputar sprints, usar das mesmas tácticas e das mesmas técnicas. É por isso que compramos bicicletas de corrida e jerseys iguais aos profissionais. É por isso que nos levantamos ao domingo às 7 da manhã para ir correr 160 quilómetros, para treinarmos e sabermos que estamos em forma.
Foi por isso também que no domingo passado se apresentou à partida em Castro Verde um numeroso grupo de obstinados amantes do ciclismo, sabendo de antemão que ia correr toda a manhã debaixo de uma imensa trovoada. Bem podiam ter ficado na cama, já que iria trovejar todo o dia. Bem podiam ter passado a tarde a ver a Amstel Gold Race na televisão. Bem podiam ter optado por um treinozeco de duas horas nas redondezas, ou mesmo por um "passeio" de cicloturismo, que o havia nesse dia. Mas não, fizeram~se à estrada para competir, lutar contra os outros e contra si próprios, contra a estrada, contra o vento e contra a chuva.
No final não houve vencedores. Nem vencidos. Todos os que terminaram, e muitos não foram capazes de terminar, se sentiam imensamente felizes por terem disputado uma corrida a sério. Não houve troféus, nem diplomas. Houve o habitual almoço, onde se conviveu como de costume, onde se trocaram estórias e risos. Boa disposição e o sentimento de nos sentirmos ciclistas. Por um dia, sim senhor, tarde na nossa vida, mas sim ciclistas e não cicloturistas. E que as bicicletas de corrida e os equipamentos de licra tinham realmente um sentido.
NOTA: As fotos distorcidas são mesmo assim. Para se ver como foi o dilúvio por que passámos nesse dia.
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