quinta-feira, 10 de março de 2011

230 - AS FOTOS OFICIAIS DA VUELTA CICLOTURISTA A ANDALUCÍA.




Daquela que terá sido a minha última prova em Espanha, e uma das minhas últimas participações em eventos de cicloturismo ( por circunstâncias da minha vida privada ), não resisto a partilhar aqui algumas das fotografias da organização, para que se possa ter uma ideia da grande qualidade daquele evento.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

229 - SENTIR-ME COMO UM PROFISSIONAL EM MARBELLA.




Já vos falei uma vez da minha vizinha, aquela que está sempre disposta a arranjar conflitos com toda a gente aqui nas redondezas. Ou é porque alguém não baixou a tampa do contentor do lixo, ou porque há um cão que ladra num apartamento qualquer, ou porque os putos estão a jogar à bola no jardim. Comigo nunca brigou, porque não lhe dou razões para isso. Desde que comprei a casa vi logo que tinha ali um osso duro de roer, ainda por cima a casa dela é por baixo da minha, e fizemos sempre tudo para evitar que ela tivesse com que pegar. Mesmo o nosso filho quando era pequenino nunca podia correr em casa, e só brincávamos a sério quando sabíamos que ela tinha ido às compras.
Acontece que tinha que me preparar para esta Volta Cicloturista à Andaluzia e o tempo não ajudava. Uns dias estava a chover, outros estava frio. A vontade também não era muita. Tenho passado um momento muito mau a nível de trabalho, e perdi toda a disposição. Tive um gravíssimo problema de saúde, senti a morte muito, muito perto, e isso fez-me desanimar, tenho andado com os nervos à flor da pele. Achei que pelo menos deveria fazer uns rolos, se queria ir minimamente preparado para mais uma aventura na Espanha.
Sou ateu, mas escolhi sempre horas cristãs para fazer os rolos. Sempre às 11 da manhã e às 5 da tarde, para a velha não ter que implicar. Mas implicou! E lá tive que levar a bicicleta e os rolos para o sótão para poder ao menos mexer as pernas e não ir para Marbella sem um mínimo de preparação. Preparação essa que era manifestamente muito pouca, mas como o regulamento insistia que aquela era uma Cicloturista e não haveria lugar a competição não me preocupei demasiado.
Não nos tinha sido possível fazer férias este ano. Tive que trabalhar quando era suposto estar de férias. Pelo que decidi que indo um fim de semana para Marbella podia juntar o meu ciclismo com uns dias de passeio com a família.
Ficámos num apartamento em Estepona, lugar onde estavam a maior parte das equipas da Vuelta a Andalucía. Muito bom, o apartamento. Enorme, 3 casas de banho, 2 quartos, jaccuzi, hidromassagem, cozinha equipada com tudo o que há de mais moderno, champanhe no frigorífico. Fico a pensar: se os hoteleiros espanhóis pagam mais aos empregados que os hoteleiros portugueses e cobram mais barato aos clientes, então os hoteleiros portugueses deveriam oferecer aos clientes um serviço muito melhor que os espanhóis!!! Mas não é assim, em Espanha recebemos mais por menos dinheiro. Porque razão?
A corrida partia de Benahavís, lugar do Contra-Relógio da Vuelta a Andalucía, e beneficiava de toda a estrutura da prova dos profissionais. É uma coisa que me encanta, poder correr com todo aquele ambiente de uma corrida a sério. Meta insuflável, baias, pódio, protecção policial, ambulâncias, voluntários em todos os cruzamentos, Juan Mari Guajardo, o speaker da Volta à Espanha, televisão, fotógrafos nas motos...
Estava programado que não aceitariam mais de 400 participantes. Mas cedo se percebeu que o número de presentes ficaria muito aquém daquele limite. A razão? Quando se delineia uma prova para amadores com características de elevada dureza é natural que só aqueles com pretensões a fazerem boa figura se apresentem à partida. O que não era naturalmente o meu caso...Aliás se vos disser que o 2º foi López Gil, que ainda no ano passado corria na Andalucía - Cajasur e o 3º foi Manuel Beltrán, esse mesmo, o granadino que foi escudeiro de Jan Ullrich e Lance Armstrong, logo perceberão que eu estava no lugar errado à hora errada.
Foi um sofrimento terrível! Montanha, montanha, montanha! Assim como o Malhão repetido vezes sem conta. Quando cortei a meta não pedalei nem mais um passo, encostei-me às baias para não cair. Doíam-me as pernas, as nádegas, tinha cãibras.
Estive muitas vezes à beira de desistir. Mas sempre que me dirigi ao carro-vassoura (um dos carros de apoio dos Ciclos Cabello, os fornecedores da Andalucía - Cajagranada ) o tipo que ia lá dentro dizia-me que não, que continuasse, que fizesse mais um sacrifício, que a subida acabava logo ali, que haviam outros para trás que estavam piores que eu. E eu lá aguentava mais um bocado.
Estava esgotado. Parecia que não conseguiria derrotar aquela montanha. Achei que se ingerisse um gel talvez conseguisse suportar melhor a dificuldade de tanto subir. Chegou-se a mim o carro do Cabello, com o gajo a gritar comigo: "nunca se come a subir, guarda o gel, comes quando estiveres a descer, seu burro!" Apeteceu-me mandá-lo bardamerda, então ele não via que sem o gel eu não conseguia chegar lá acima? Mas nem falar eu conseguia, a pasta do gel sufocava-me e não descia para o estômago, precisava de beber agua, mas a inclinação era tanta que não conseguia tirar o bidão do suporte...
Foi esta corrida de homenagem aos ciclistas transplantados. Já tinha lido uma vez qualquer coisa sobre este assunto, sabia que havia uma selecção nacional espanhola de ciclistas transplantados, mas não havia dado importância ao caso.
À partida lá estavam eles, vestidos com as cores nacionais. Mas só com o decorrer da prova é que tomei noção de quem realmente são: gente com o coração, ou os pulmões, ou o fígado, ou os rins de alguém que faleceu, e que lhes permitiu continuarem a viver. Gente que foi submetida a terríveis doenças que quase lhes tiraram a vida, e que passaram por operações delicadíssimas, recuperações muito cuidadosas e longas, e que após traumas tão profundos, foram capazes de se voltarem para o desporto, e dedicarem-se a ele de uma forma muito semelhante aos atletas de alta-competição. E foi com a maior admiração que vi alguns deles serem bem mais fortes do que eu, e do que muitos outros. E pensei muitas vezes, quando tinha muita vontade de abandonar a corrida, se eles conseguem subir estas montanhas, então eu não serei capaz?
Numa dada altura entrámos na cidade de Marbella, que tínhamos que atravessar, de regresso a Benahavís. O pelotão já ia completamente fracionado, e foram-se formando pequenos grupos. À frente de cada grupo seguia um motard da polícia com as sirenes ligadas. Atrás outro polícia. Em cada cruzamento ou rotunda a polícia tinha o trânsito encerrado. Motards voluntários corriam desalmadamente. Ambulâncias, carros de apoio e da organização. Motos com camaramen e fotógrafos, toda a parafernália de uma corrida de profissionais. Os carros da Ciclos Cabello com bicicletas de reserva e rodas suplentes. Sirenes por todo o lado. O público nas avenidas aplaudindo e tirando fotografias com os telemóveis. Pessoal da organização com bandeirolas a indicar o caminho ou a assinalar obstáculos, enfim um verdadeiro ambiente de corrida a sério. Esqueci o cansaço, a vontade de desistir, as cãibras. Desfrutei de cada segundo naquela travessia de Marbella. Senti-me um Tiago Machado ou um Sérgio Paulinho, e sabia que na meta haveria de estar a minha família com a bandeira portuguesa!
Os últimos quilómetros voltaram a ser de grande sacrifício, Benahavís está alcandorada na montanha. Passa-se do calor da praia para o frio da serra. As placas "10 km a meta", "9 km a meta" traziam o alívio de estar cada vez mais perto de acabar o sofrimento, mas a estrada ia sempre empinando. Os últimos metros, já dentro da cidade e da zona das baias eram os piores de todos. Avistei a meta a uns quinhentos metros. Ouvia as pessoas a aplaudir e a incentivar. Mas a voz da minha mulher sobrepunha-se a todos. A trezentos metros ouvia na perfeição a sua voz por cima das outras a gritar:"FORÇA JOÃO", "FORÇA JOÃO"!!!!