segunda-feira, 20 de setembro de 2010

198 - O PUTO DE LORA.

Tenho pena de não ter guardado uma foto sua, quando na minha primeira participação na Javier Ramírez Abeja, em Lora del Río.

Nestas corridas, muito abertas, e muito longas, é frequente às vezes passarmos um corredor, e lá mais para a frente sermos ultrapassados por aquele a quem havíamos passado.

Era um puto dos seus 17 ou 18 anos, como tantos outros que disputam estas provas de "Ciclismo Para Todos". Haveria de ir ao pódio, não por ter ganho na sua categoria, nem tão pouco por ser portador de uma deficiência que nos fazia admirá-lo. Subiu ao palco da Caseta Municipal de Lora del Río para receber o troféu para o ciclista mais jovem. Mas nesse momento, a plateia recheada de ciclistas veteranos, gente sabedora do sacrifício e do sofrimento que é fazer uma corrida tão rápida e tão dura, rendeu-se comovida ao seu espírito jovem e lutador, e levantou-se em peso para lhe prestar uma sentida homenagem.

É que o puto, de quem nem sequer guardei o nome, falta-lhe a mão direita!

E isso não o impede de disputar provas de ciclismo!

Ainda por cima numa prova constantemente a subir, pelos caminhos da Sierra Norte. Todos nós sabemos que para escalar uma montanha necessitamos agarrar firmemente no guiador, para podermos sustentar a força que aplicamos nos pedais. Só que ele só tem a mão esquerda!

Mandou alterar a bicicleta para melhor poder manejar os comandos. Dado que só tem a mão esquerda, colocou as duas manetes do mesmo lado, uma para cima e outra para baixo. Muda as mudanças e trava só com a mão esquerda. Mas pensem: quando trocamos as mudanças, precisamos de fazer pressão no outro lado do guiador para manter a bicicleta em equilíbrio. E ele não pode fazer a tal pressão, a não ser com a ponta de um coto de braço.

Mais: como lhe falta um pedaço de comprimento do seu lado direito, tem que compensar esse desequilíbrio com uma postura anormal sobre a bicicleta, o que lhe faz torcer a coluna vertebral de forma provavelmente incómoda.

Podia ter optado por jogar à bola. Não lhe faria nenhuma falta a mão direita. E seria o mais natural, afinal de contas qual é o puto que não gosta de futebol? Mas não, o que o motivou na vida foi o ciclismo.

Pensar que tantos ciclistas de fim-de-semana se preocupam com mais milímetro, menos milímetro no quadro, ou nos pedais, ou nos crenques. Que significam essas preciosidades para este puto? E não é por milímetros, é por um pedaço a menos. E logo a mão direita, talvez o bem mais precioso do nosso corpo.

Não vou escrever aqui aquelas coisas do costume. Moralismos, comparações, exemplos para os outros. Não gosto de conversas de treta. Simplesmente veio-me à memória, no outro dia, quando sofria as agruras daquela montanha. Lembrei-me, e cá dentro senti que devia escrever umas palavras. Só para nos fazer pensar...

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