quarta-feira, 6 de outubro de 2010

203 - E SE ME TIVESSE PERDIDO?

Esta recente participação no Granfondo Algarve, acompanhado pelo Tony, meu anfitrião em Joanesburgo aquando da Pick & Pay 94.7, no qual, devido à deficiente sinalização do percurso, o meu amigo se perdeu, fez mais quilómetros do que era devido, teve que voltar para trás, pediu indicações por telemóvel para saber por onde devia seguir, etc, trouxe-me à memória um erro de palmatória que me podia ter custado muito caro, quando estive na África do Sul.


As coisas tinham sido todas organizadas pela minha esposa e pela irmã, a Gena, que vive a mais de mil quilómetros de Joanesburgo. O marido da Gena, o João Felizardo, também ia participar na corrida, pelo que o plano era o seguinte: a Gena levava as bicicletas para a oficina ( Impey Cycles, do pai do Daryl Impey, corredor da Radioschack ) para serem montadas (vinham desmontadas, por terem vindo de avião, a minha de Portugal, e a do João, de East London), e dormíamos na casa do Tony, que eu não conhecia, amigo dos meus cunhados, também amante do ciclismo, e que também ia participar na corrida. Entre a nossa chegada à África do Sul e a corrida, passaríamos uns dias com a Gena numa reserva de caça, perto de Sun City, onde festejaria o meu 50º aniversário.


Regressámos numa 6ª feira, antevéspera da corrida, e ficámos na casa do Tony e da Ronel. O João, a braços com obrigações profissionais, só chegaria de East London no sábado.


O Tony levou-me, no sábado de manhã, a um lugar onde toda a "afición" joanesburguense se costuma reunir para umas pedaladas. Eram centenas de ciclistas, esperando pacientemente que os profissionais dessem ordem de arranque, mas cheios de adrenalina pela proximidade da corrida mais esperada do ano.


Eu, orgulhosamente vestido com as cores da Maia-Milaneza, no meio de um pelotão estranhíssimo (era a primeira vez que via ciclistas negros), excitadíssimo pela envolvência que me era totalmente nova, mas sem ter a mínima noção do que era pedalar. Habituado aos passeios de cicloturismo do Algarve, pensava que ciclismo era aquele rame-rame algarvio, e que bastava dar aos pedais para ser ciclista. É claro que não durei nem cinco minutos, fiquei logo para trás, a velocidade dos outros era uma coisa que nem me passava pela cabeça.


Comecei a fazer contas à vida, enquanto todos se afastavam. Vi-me sozinho, enquanto ao afastarmos-nos da zona urbana de Joanesburgo ia deparando com uma nova realidade africana, as "locations", os bairros de lata onde moram os habitantes negros. Ao longo da estrada estendiam-se as barracas miseráveis, onde a miséria gerava um desconforto no meu íntimo. Cadáveres de cabras e galinhas, fugidos das "locations" e atropelados na estrada, dificultavam ainda mais o pedalar.


Sensatamente o Tony deixou-se ficar para trás, temendo pela minha sorte. Já havia entendido que eu era fracote, e que o melhor era abdicar do treino e ficar a meu lado. E lá seguimos até ao café onde todos se reuniam após o treino.


Na altura não pensei muito no caso. Mas posteriormente dei comigo a pensar: nem sequer sabia o nome do Tony. Nem onde morava. Qual era o seu nome de família, qual era a sua rua, o seu bairro? Nada, rigorosamente nada. Sabia os nomes dos meus cunhados, mas eles nem sequer eram da cidade, viviam a mais de mil quilómetros de Joanesburgo. Se me tivesse perdido a quem iria recorrer? À polícia, muito provavelmente. Mas o que é que lhes ia dizer? Que estava em casa de não sei quem, numa rua desconhecida, num bairro que não imaginava qual.

Sei hoje, que ciclistas sem companhia, têm sido alvos fáceis dos ataques dos ladrões naquela zona, pelo valor comercial das bicicletas, tendo sido alguns barbaramente atacados. Por essa razão já ninguém treina sozinho naquela área.

Já me aconteceu ter perdido o contacto com toda a gente numa prova em Espanha, em que tive que abandonar a corrida, e o carro-vassoura não me deu assistência, mas Espanha não é África, e pelo menos sabia onde tinha deixado o meu carro, mas naquela situação não tinha a mínima referência.

A lição serviu-me para o futuro. Levo sempre o telemóvel comigo, e tenho na minha lista de contactos os números de companheiros espanhóis que eventualmente me poderiam desenrascar.

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