sexta-feira, 5 de novembro de 2010

210 - A MOSCA.

Quando desci as escadas lá estava ela. Talvez estivesse ali por acaso, à espera que alguém levantasse a tampa do contentor do lixo (a minha vizinha está sempre à coca na varanda, a ver se alguém deixa a tampa levantada, para arranjar um conflito com mais um), ou simplesmente estava mesmo à minha espera. O que eu desconfio que seja verdade, pois ela está sempre lá, quando vou dar uma volta de bicicleta.

Como é que ela sabia que eu ia sair de bicicleta isso eu não sei. Nem mesmo a minha mulher sabia. Tinham~me dado uma recuperação no meu trabalho, com a qual não estava a contar, e esta voltinha tinha surgido sem planeamento. Portanto a mosca ou é bruxa ou veio pelo meu cheiro. Confesso que não sou tipo de usar perfumes nem after-shave, mas eu tomo banho, porra!

Seja como for lá a levei comigo. Muito contra a minha vontade, mas ela não arredava pé. Tentei enxotá-la vezes sem conta, mas, é uma tarefa inglória, volta sempre. Pousa-me nos braços, na cara, nas orelhas. Quem me conhece sabe como tenho as orelhas grandes, gostam de me arreliar gozando com as minhas orelhas, mas a amaldiçoada da mosca exagerava. Ora numa, ora noutra, tinha um prazer especial em fazer-me aquela comichãozinha que só as moscas sabem fazer.

Em Benafim pensei que tinha a oportunidade para me ver livre da chatarrona. Tinha esgotado dois bidões de agua, na vã tentativa de me regar todo à volta da cabeça, para ver se ela se afastava, assustada com a agua. Entrei no Jafers, que tem uma porta automática, para comprar uma garrafa de agua, deixando-a assim lá fora. Fiz de conta que estava interessado nos vinhos, para deixar passar uns minutos. Talvez ela se agarrasse a uma das velhotas que entravam ou saíam do supermercado, ou passasse por ali outro ciclista que a levasse.

De início pareceu ter surtido efeito, aquela minha táctica. Pedalei uns quilómetros sem qualquer elemento perturbador. O meu destino era o Alto do Malhão, estava um lindo dia de Outono, o Sol brilhava, mas o calor não era muito, um dia perfeito para subir o Malhão.

Ataquei a primeira curva com determinação, mas poupando no esforço. Sabia como ia ser dura a subida. Logo ali dei por ela outra vez. Na orelha, como de costume. Tentei afastá-la (com a orelha não, são grandes, mas não abanam), com o braço esquerdo. Mas voltou uma e outra vez, até se instalar por baixo do nariz. Tentei soprar de baixo para cima, procurando afastá-la, mas nessa altura a minha respiração já estava muito condicionada ao esforço da subida.

Quem sobe o Alto do Malhão sabe como é difícil tirar as mãos do guiador. A força da gravidade puxa a bicicleta no sentido descendente. Para se contrariar esta força há que pedalar vigorosamente, e apoiar as mãos fortemente no guiador. Não há qualquer maneira de as tirar para enxotar uma mosca teimosa e sarnenta. Foi uma tortura até lá acima. Mais que o cansaço era a comichão que ela fazia. Mas porquê eu? Com tanta gente no Mundo logo tinha que se afeiçoar a mim?

Aproveitei a descida para a despistar. Nenhuma mosca consegue voar tão rápido como se desce o Malhão de bicicleta. Nem um automóvel, quanto mais uma mosca...

A verdade é que ela lá estava no Pé do Coelho. Assim que a descida terminou voltei a senti-la. Primeiro numa perna, depois de novo nas orelhas (mas porque é que tenho umas orelhas tão grandes...?). Tive que a gramar de volta a Albufeira!

Na 125 passei por um grupo de prostitutas. Tive a ténue esperança que ela se deixasse levar por algo mais atractivo do que eu. Mas ou a mosca era fêmea ou não gostava de putas...

No cruzamento das Fontaínhas tive que esperar que o semáforo mudasse para verde. Pousou-me num braço. Afastei-a com um movimento brusco e pensei num plano maquiavélico. Deixei-a pousar na perna, e com uma palmada curta, rápida e cirúrgica dei-lhe cabo do canastro. Caiu redonda no asfalto da 125, de patas para o ar. Vitória, vitória!!!

Podia finalmente fazer em paz os últimos quilómetros de regresso a casa. Suspirei de alívio e pedalei velozmente em direcção ao Montechoro. Faltavam só uns metros para chegar e, para meu espanto, ali estava ela de novo na minha orelha. Será que tenho que fazer uma operação às orelhas? Ou mandar colocar uma cauda, como os cavalos, para enxotar as moscas? Ou besuntar-me com "Dum Dum" na próxima vez que for treinar...?

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